Revista Pardo

A piscina maior do mundo

Quando eu era jovem, no final dos anos 60, tinha uma inveja danada da moçada de São Simão. Eles tinham um clube com piscina e nós não. Lembro-me até de ter comentado esse assunto com Tio Pica Pau, que ensinou:

-Para de reclamar! São Simão tá longe do Rio Pardo!

Nosso Rio era a piscina maior do mundo, com vantagens absolutas sobre a piscina de São Simão. Temos peixes para fisgar e margens para acampar. Campininha para folguedos de família, ranchos com festas maravilhosas. Os pesqueiros eram um caso a parte e espalhavam-se ao longo das margens do Pardo. Havia dois locais com grande concentração deles. Ambos com nome de estádios de futebol.

O Maracanã acima do córrego da Monteira e o Morumbi logo abaixo, no local conhecido como Barrinha. Ali havia um ancoradouro para a lancha do conde Matarazzo. Talvez por isso o nome Morumbi. Imagino-me um observador disfarçado, mimetizado com o capim Quicuio, num domingo pela manhã, bem ali onde o córrego da Monteira desagua no rio, a ouvir estórias fantásticas de pescadores.

Ouço nítido, em minha lembrança, a voz forte do Landão com seu chapéu de abas largas e bigode de patrão.

– Seu Mário Ferreira, qué dizê então que la no seu ranchim tem uma sucuri que dá leite?

– Verdade seu Landão, toda madruga eu travesso o rio, brenho no banhado e a sucuri tá la esperando pra ordenhá. Meu muleque gosdimais do leite dela. Landão, atento à beliscadas, leva a mão pra debaixo da vara e fisga o vento.

– Seu Mário, esses Lambari do Pardo é tudo letrado. Eis sabe lê e iscrevê. Mais eis tá tudo cus beicinho dilurido cuas lambada queu dô. Eis é tudo veiaco.

Do outro lado do rio, o Nenê Cortez, que a tudo ouvia, gritou:

– Seu Mário, essa sucuri é mansa desse jeito?

– Mansinha de tudo, seu Nenê. Ela inté gosta da ordenha, chega a mexê a ponta do rabo pra agradecê.

Depois de colocar um mandi capturado no samburá, Nenê, o rei do mandi, mete o dedo na boca sem dente, tira uma minhoca e espeta no anzol:

– Uai seu Nenê, gargalhou Landão, é aí cossê guarda as isca?

– Eu vejo o Vardi Cervi cus prego na boca, fácil de pegá, cupiei.

As gargalhadas e as conversas dos pescadores ainda estão na cava do Pardo. Armazenam-se nos banhados, nas cevas, nas árvores e capins das margens do rio. Para ouvir, basta imaginar. Dizem que se um genuíno pescador do Pardo chamar com jeito e sabedoria, aparecem sucuris leiteiras, lambaris escrevendo poemas no leito do rio, minhocas assanhadas pedindo beijos.

 

As fotos que ilustram essa crônica são do Rancho Fênix da Ilha.

Edgar Esteves

Edgar Esteves

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