Revista Pardo

‘Lengleleng’ no tablado celestial

Ele não está perto nem distante, não é largo, nem estreito, mas é pardo. Sempre que penso nele, rio do meu Rio, como diria o poeta Paulo Emílio.

O Rio Pardo, um garoto no tempo geológico, nasceu na era do Cenozoico, talvez há 60 milhões de anos. Primeiro, erodiu seu leito, formatou o vale onde reside. Há 2,6 milhões de anos acalmou-se e, desde então, apenas deposita sedimentos e alimenta a admiração dos visitantes agradecidos.

Nós, os santa-rosenses, não despejamos esgoto no Pardo e ele não nos incomoda com suas cheias. Pardo de Ranchos Alegres, Rancho dos Anjos, Rancho do Juvenal Juvêncio, Rancho do Mike, Rancho do Padre.

Ele acolheu muitos ranchos e pesqueiros em suas margens… Dentre todos os ranchos, o Fênix da Ilha é especial.

Conhecido inicialmente como Malvinas, por ser ilha, o Fênix foi queimado e ressurgiu, por isso o nome. Talvez seja o único ainda de pé, dentre todos os citados. No início, era uma pequena casa de madeira construída por pescadores, onde só se conseguia chegar por meio de barco. Fica num lugar especial, cerca de 300 metros acima da barragem da usina Itaipava.

Em 1981, o rancho foi adquirido dos pescadores por um grupo de amigos liderados pelo Bolão (Márcio Guimarães). Construído no estilo palafita, tinha a varanda com piso de tábua. Por magias que só o ocaso é capaz de engendrar, num sábado de 1984 chegaram no Rancho Fênix: Bolão, Xandó, Dalson Homão, Chanha, tio Pica, dentre outras figuras carismáticas.

Entre uma cantoria e outra, Xandó contava piadas, Bolão falava de política, Chanha conversava sobre capivara com Homão, Tio Pica teatralizava as estórias e piadas com caras e bocas. Num determinado momento, Xandó levantou-se e puxou um sapateado sobre o tablado. Todos se juntaram pra cantar e sapatear em fila indiana:

“Bota fogo na fundanga, tira este mal de mim”

“Fumaça benta que sobe traz o meu amor pra mim”

O tablado subia e descia, rangia feito cuíca. O ranger ditava o ritimo alegre da cantoria. Xandó puxava e modificava a letra da música:

“Leng leleng nos seus ameaço. Leng leleng no sapateado, se você concordar eu danço ao teu lado”.

O festejo parecia acontecer com um motivo: reverenciar o Pardo. Hoje, quando me recordo dessa noite mágica, vejo nossos saudosos amigos dançando irmanados do lado de lá do Rio Pardo. Desgarraram-se em direção ao céu para dançar no tablado celestial que, hoje, verga e range de alegria.

“Leng leleng nos seus ameaço”

Lilian Queiroz

Lilian Queiroz

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